I'm a new soul

Noutro dia, anteontem ou assim, acordei decidida a ser uma pessoa mais sorridente com os outros. Os outros aqueles que nos trazem o café, que nos dizem é um euro, que não nos ajudam a abrir a porta, ou que não a seguram por mais um segundo quando vamos a passar, aqueles que esperam por nós para se decidir a atravessar a passadeira, ou o meio da via. Enfim, os outros. Estava tudo a correr bem. Os resultados da minha decisão eram mais que visíveis para os segundos, diziam ah que bem, que simpática. Eu respondia com pompa, é o meu novo eu. Pois durou pouco, não minto quando digo que ter a opção sorriso em default é uma das experiências sociais mais curiosas e satisfatórias que experienciei nos últimos tempos, mas, para nossa segurança, mais vale não meter a cruzinha no do not ask me again do pop-up enervante, que afinal mais não faz do que dar-nos hipótese de reacção. Então a cena aconteceu no Pingo Doce, claro... como a maioria das situações desagradáveis que me acontecem. Caixas desertas e quase todas abertas (vá lá!), portanto uma ou duas pessoas a pagar em cada uma. Escolhemos uma ao calhas, esperamos um bocado e num vrummm passa-nos uma senhora à frente, criança ao colo e companheiro ao fundo, com o cesto de compras. A senhora ultrapassa-nos, ultrapassa-nos com algum delay o marido e ela diz pronta à funcionária "Esta é a caixa prioritária não é?!". Todos sabemos que a manha da criança ao colo é muito utilizada nas finanças e segurança social. A minha mãe, portanto tenho a quem sair, diz à senhora - "tem razão, mas não é a senhora que anda às compras, é o seu marido". O que se sucedeu depois foi também uma experiência social, mas das mais cabotinas e humilhantes que tenho experimentado nos últimos tempos. A criança ao colo, 18 meses, era deficiente - não andava. A senhora praguejou, referiu direitos atrás direitos, berrou, berrou (o marido a pagar e a ensacar as compras), a senhora do Pingo Doce abanava que sim a cabeça, pensando para os seus botões que grandes bestas - eu e a minha mãe - e todo o povo reunido ali no pré-pagamento fulminou-nos reprovador. Por respeito ao nervosismo da senhora e ao abraço apertado em que tinha o filho, engoli em seco. Quando marido terminou o que veio fazer ao supermercado, retiraram-se os três mais o seu fado, deixando-nos a sós com a funcionária da caixa. AH AH AH Senti-me regressar aos velhos tempos. Senti aquele gaguejar interno de querer ser assertiva e, numa expressão ainda com um quê de sorriso e a meio tom, pedi-lhe o livro de reclamações. Que eu saiba, se estiver grávida ou com uma criança de colo e se for passear com a família não tenho direito aos quatros bancos vermelhos do comboio.

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