Santo António 2008

A noite estava quente. Às 20h o termómetro marcava os 30 graus em Lisboa e a capital preparava-se para receber a 65ª edição das festas populares em honra do Santo António. Mas coitado do Santo António. Lisboa, que está a virar capital do ecléctico mas com menos charme que uma vizinha Madrid, mais lixo e mais pobreza, encheu-se de um forró gay friendly, sardinha assada de improviso e gente, milhares de gente e pouco brilho.

Na Av. da Liberdade o estaminé montado desde as 18h prometia uma mega produção. Os índios à frente da pastelaria Suíça davam uma graça sul-americana à coisa, internacionalização seguida pelos imigrantes a vender bonecos jamaicanos, vacas e bois ou preciosidades do norte de África (artesanato, claro). Destaque para o rapaz de corpo perfeitamente esculpido a enfeitiçar os transeuntes com quatro bolas de cristal, a deixar muita gente de boca aberta no início da noite. Segue-se para as portas de Santo Antão, e as ruas estão empestadas de cheiro a brasas e a manjerico. Em 2008, a dose de sardinha ronda os 8 euros. Nos ecrãs, o Euro prossegue e a Áustria safa-se com o empate aos 92 minutos. São 5 as pessoas que batem palmas, nenhuma austríaca, pelo menos pelo jeito brasileiro com que falam. Dois turistas pedem sopa de legumes - alguém lhes devia ter dado uma ajuda com a selecção da ementa.

As marchas começam na televisão, tão perto da Av. da Liberdade é de estranhar não se ouvir nada. Furando lá se chega às barreiras que ladeiam o desfile, protegidas pelas crianças auto-autorizadas a ignorar o perímetro de segurança. É então que tudo começa. Horas, as marchas demoraram horas a percorrer a calçada improvisada. Os marchantes estavam cansados, as pausas entre desfile (obrigadas pela transmissão televisiva) eram insuportáveis, o staff furava as marchas sem o mínimo gosto cénico, as bandas chegavam a afastar-se 50 metros dos arcos... Em quase duas horas terei visto Sta. Engrácia e Carnide ( a primeira não ficou no top 10 e a segunda levou o 7º lugar). Pela Meia-Noite faltavam 7 marchas e estava-se mais uma vez em intervalo. Duas senhoras comentavam que pior era se se tivessem de "gramar os anúncios na avenida" - "imagina aí os anúncios a desfilar". As barreiras começavam a esvaziar... chutando para longe os tempos em que era preciso vir cedo para ficar na primeira fila. Os padrinhos também não estavam muito entusiasmados, as palmas eram arrancadas à força e a multidão que varria as ruas noutras direcções mostrava que a festa, a fazer-se, devia ir fazer-se a outro lado. Para quem não se queria embrenhar nas ruas do Castelo, a Veneza, aberta after-hours, foi uma boa solução. Já no regresso a casa, os repórteres da Antena1 aperfeiçoavam a arte de encher chouriços e criticavam, com muita palha, a esperada noite de Santo António. Que seria Lisboa, se fosse sempre assim.

Num cantinho do Martim Moniz, antes das ruelas da Mouraria, alguém cantava Quim Barreiros num palco improvisado envolto no fumo da febra e da sardinha. Pareceu-me um bocadinho mais genuíno.


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