E se não houvesse ninguém

Saí de São Bento era noite e chovia. Chovia muito. A escadaria enorme e os militares a render a guarda na minhas costas, num cerimonial solene demais para o céu carregado, os meus passos rápidos na enorme escadaria e mais ninguém a ver. Chovia tanto. Quando me voltei de novo para olhá-los já só estavam os dois de serviço, abrigados no seu posto estátua, imóveis até depois, mais tarde, quando os viessem render. Desço a escadaria. Ninguém. Sem medo ando metade na estrada e metade no passeio, a ver brilhar os carris do metro, inundados, alagados de chuva. E se não houvesse mais ninguém? Sei de um jogo de futebol pelos ecos das casas antigas, podres, velhas. Não há nada aberto. Nada. Parece tão mais tarde enquanto percorro a rua enorme até ao carro. Com medo. Um quase medo que me pede para não me demorar debaixo da chuva pesada e fria, para ir depressa, para me proteger depressa. Passa um homem e eu escondo-me dele na sombra, ele esconde-se de mim na sombra, ninguém nos vê. A luz dos candeeiros treme num gotejar, não ilumina. Entro no carro.

Depois de um intervalo de algumas horas, dei comigo às quatro da manhã parada num semáforo na rotunda do Prior Velho. Cinco minutos à espera que passassem peões. Não havia ninguém. E se não houvesse ninguém? Pus a tocar um CD, Sugar Baby Love da banda sonora do Breakfast on Pluto. E voltei a casa como num filme.

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