Não é uma história simples. Daquelas dos passarinhos que falam com as flores ou da mãe terra que engole raios de sol para alimentar as folhas. É, até, uma história triste. Embora o dia hoje esteja claro e nem haja gotas de chuva a parecer lágrimas a estragar a fotografia. A flor lilaz e a árvore dos ramos conheceram-se eram sementes pequenas que se afundavam no enorme pote da minha varanda. Isto há anos, claro. Nem eu me lembro, nem a varanda era esta, nem tão pouco era minha. Conheceram-se e, na altura, era uma história de amor de igual para igual. As sementes germinaram, ou fizeram o que tinham a fazer (imagino que as sementes, à semelhança do que acontece com os feijões que plantamos em pequenos, germinam e é assim que começam) e começaram a crescer. Na primeira Primavera foi um amor radioso. No primeiro Verão, esticavam-se ao sol o dia inteiro. Era daqueles sentimentos em que o coração, sem olhos, não vê para lá do agora, nem quer saber do depois. O Outono veio. O vento remexia a terra do pote e elas escondiam-se entre as pedrinhas e as bolinhas de qualquer coisa que a minha mãe lhes metia para proteger dos bichos e da falta de vontade de crescer. E depois, o Inverno nunca era Inverno a sério e o ciclo ameno lá se repetia. Passaram-se anos, isto é, anos à escala das plantas, e as sementes começaram a mudar. Uma foi-se esgueirando num caule verde com um botão lilaz pequenino, pronto a rebentar. A outra era um tronco castanho e feio que nunca mais abria em nada. Veio a Primavera. Uma fez-se flor e a outra nada, só um tronco castanho cada vez mais grosso, cada vez mais feio. A flor ainda brilhou uns meses à espera. E a outra nada. Um dia, numa rabanada de Setembro, a flor foi-se. A outra ficou sozinha a olhar para os lados, como se tivesse olhos, quando só tinha aquele tronco castanho feio. Passou-se muito tempo. E o amor morreu. Mas morreu com o tempo. Não morreu enquanto a flor brilhava nem quando o tronco ficou sozinho. Eu sei que morreu porque - já explico o agora - volta e meia lá estão as duas no pote e não as vejo dizer nada uma à outra. E eu acho que não pode haver amor sem palavras. Depois da primeira flor lilaz vieram muitas, uma todos os anos pelo menos, no mesmo sítio. O tronco castanho separou-se em cinco ramos e transformou-se numa árvore, que na Primavera se enche de folhas e botões rosa prontos a rebentar. Mas isso é agora, e agora é tarde demais. Os botões rosa duram dias e dias, para lá dos dias que dura o caulezinho verde com a flor lilaz na ponta. Mas dias e dias. E assim acaba a história. No que toca ao amor, imagino, elas como sabem que não têm tempo de ir até ao fim, não chegam a começar.


0 comentários:


 

Layout por GeckoandFly | Download por Bola Oito e Anderssauro.